Notícias do Congresso Internacional para o Estudo do Fígado

O boletim infohep deste mês destaca as principais notícias do Congresso Internacional do Fígado de 2022, a reunião anual da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), que decorreu de 22 a 26 de junho em Londres.

As pessoas curadas da hepatite C permanecem em maior risco de morte devido a causas relacionadas com o fígado e ao uso de drogas

As pessoas que foram curadas da hepatite C permanecem em maior risco de morrer de causas relacionadas com o fígado do que a população em geral, mas o risco de eventos cardiovasculares diminui após a cura, concluíram estudos alargados no Reino Unido, Canadá e França.

O estudo realizado no Reino Unido e no Canadá concluiu também que, em comparação com o resto da população, as pessoas curadas da hepatite C continuam em maior risco de morrer de causas relacionadas com o uso de drogas, como a overdose.

As conclusões foram apresentadas no Congresso Internacional do Fígado de 2022.

Os estudos salientam a necessidade de monitorização e serviços continuados para as pessoas, após terem sido curadas da hepatite C.

Ao apresentar os resultados do estudo do Reino Unido e do Canadá, a Dra. Victoria Hamill da Universidade Caledónia de Glasgow afirmou que estes  demonstraram a necessidade de uma série de intervenções pós-cura, incluindo serviços de redução de danos para pessoas que usam drogas, prevenção de overdose e monitorização continuada da saúde hepática.

O estudo francês revelou que, embora o risco de grandes eventos cardiovasculares diminua após a cura, o tratamento antiviral de ação directa estava associado a um risco acrescido de diagnóstico de uma arritmia ou distúrbio de condução cardíaca, especialmente no primeiro ano após o tratamento. O risco de arritmia ou distúrbio da condução estava associado à exposição ao sofosbuvir.

O Dr. Laurent Lam da Universidade Sorbonne de Paris disse que a monitorização cardíaca a longo prazo de pessoas curadas da hepatite C pode ser justificada, especialmente as expostas ao sofosbuvir.

A OMS publica orientações atualizadas da infeção por hepatite C

Foram divulgadas orientações atualizadas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a infeção pela hepatite C durante um simpósio conjunto OMS-EASL-Centers for Disease Control and Prevention na conferência, com novas recomendações sobre o tratamento de adolescentes e crianças, prestação de serviços simplificada e diagnósticos. Estas recomendações apontam para uma simplificação radical do  percurso nos  cuidados de saúde para superar as barreiras no acesso ao rastreio e tratamento do vírus da hepatite C (VHC).

As três novas recomendações-chave incluem:

  • Prestação de serviços simplificada e partilha de tarefas: A OMS recomenda que o rastreio e o tratamento passem a ser prestados nos cuidados primários, nas respostas de redução de danos e nas prisões, e que os cuidados de saúde passem a ser prestados por médicos de clínica geral e enfermeiros, em vez de especialistas.
  • Diagnóstico de hepatite mais eficiente e simplificado: A utilização de análises de ácido ribonucleico (ARN) para o VHC point-of-care é agora recomendada como uma abordagem adicional, juntamente com as análises de ARN feitas em laboratório, para diagnosticar a infeção. Isto é especialmente aplicável a populações marginalizadas, tais como pessoas que injetam drogas, e comunidades de difícil alcance com acesso limitado a cuidados de saúde e elevadas taxas de perda para o seguimento.
  • Tratamento harmonizado e simplificado da hepatite para crianças e adolescentes: o tratamento é agora recomendado, pela primeira vez, para todos os adolescentes e crianças até aos 3 anos de idade. Estas recomendações harmonizam os atuais regimes antivirais de ação direta recomendados para adultos (sofosbuvir/daclatasvir, sofosbuvir/velpatasvir e glecaprevir/pibrentasvir) com os para utilização em adolescentes e crianças.
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O bulevirtide leva a uma melhoria sustentada para as pessoas com hepatite D

O Professor Heiner Wedemeyer da Faculdade de Medicina de Hannover em declarações na conferência de imprensa do Congresso Internacional do Fígado. Foto © Steve Forrest & Andrew McConnell / EASL

O inibidor de entrada bulevirtide (Hepcludex) levou a uma redução da carga viral do vírus da hepatite delta (VHD), níveis mais baixos de enzimas hepáticas e melhoria da fibrose após 48 semanas de seguimento, de acordo com os resultados apresentados na conferência. Outro estudo de vida real sobre a utilização do bulevirtide em França demonstrou também uma melhoria virológica e bioquímica.

"[A Hepatite D] é definitivamente a forma mais grave de hepatite viral crónica. Estes pacientes têm um risco bastante elevado de desenvolver cirrose hepática em idade precoce, bem como um risco acrescido de cancro do fígado. Até recentemente… a maioria dos pacientes não podia sequer ser tratada", afirmou o Professor Heiner Wedemeyer da Faculdade de Medicina de Hannover, na Alemanha, durante uma conferência de imprensa. "A mensagem boa para os nossos pacientes é que… o medicamento funciona. Para nós, no campo da hepatite D, são tempos realmente entusiasmantes e que estão a mudar as perspetivas para os pacientes".

Wedemeyer apresentou os últimos resultados do ensaio MYR301 de fase III, que recrutou 150 adultos com hepatite crónica B e D na Europa e na Rússia.

Os dados apresentados no encontro deste ano demostram que as respostas melhoraram com tratamento adicional. Com 48 semanas, 71% no braço de 2mg de bulevirtide e 76% no braço de 10mg cumpriram o objetivo virológico, incluindo 12% e 20%, respetivamente, com carga viral de VHD indetetável. Mais de metade (51% e 56%, respetivamente) atingiu os níveis normais de ALT.

Uma combinação experimental para a hepatite B suprime um marcador chave, mas não consegue obter uma cura funcional

O Dr. Kosh Agarwal discute os resultados do estudo REEF-2 na conferência. Foto © Steve Forrest & Andrew McConnell / EASL

As pessoas com hepatite B que receberam uma combinação de medicamentos experimentais, bem como o seu tratamento habitual durante 48 semanas, apresentaram uma probabilidade significativamente menor de ter níveis elevados de antigénio de superfície da hepatite B (AgHBs) ou surtos de hepatite B após a interrupção do tratamento num ensaio clínico, em comparação com as pessoas que receberam apenas o tratamento habitual, de acordo com declarações do Dr. Kosh Agarwal do Kings College Hospital de Londres na conferência.

Mas o estudo não conseguiu demonstrar que a combinação experimental poderia eliminar o antigénio de superfície da hepatite B numa percentagem substancial dos participantes, o objetivo primário do estudo.

O estudo também relatou que um paciente, um homem de meia-idade que estava a tomar tenofovir há oito anos, sofreu um surto tão extremo de hepatite B após interromper o tratamento que precisou de um transplante de fígado. O acontecimento adverso grave chama a atenção para os riscos potenciais envolvidos nos estudos de tratamentos experimentais da hepatite B que requerem que as pessoas com o vírus aparentemente bem controlado interrompam o tratamento.

O bepirovirsen suprime o antigénio de superfície da hepatite B e avança para estudos maiores da cura funcional

O bepirovirsen, um fármaco experimental com um novo modo de ação, suprimiu o antigénio de superfície da hepatite B abaixo dos limites de deteção em aproximadamente 30% dos pacientes, após 24 semanas de tratamento e está pronto a passar para estudos maiores, como parte de uma estratégia para desenvolver uma cura para a hepatite B, conforme foi apresentado na conferência.

O bepirovirsen (GSK-3228836) é um oligonucleótido anti-senso, uma cadeia de ácido nucleico concebida para cortar o ARN da hepatite B, impedindo a transcrição de proteínas virais. Está a ser desenvolvido pela GSK e pela Ionis.

O Professor Man-Fung Yuen do Queen Mary Hospital da Universidade de Hong Kong, apresentou resultados provisórios de 24 semanas do estudo B-CLEAR de fase 2b, no qual dois grupos de pessoas com hepatite B - pessoas já a tomar tenofovir ou entecavir e pessoas sem experiência anterior de tratamento - foram aleatorizadas para receberem várias doses de bepirovirsen.

A supressão do AgHBs ocorreu mais frequentemente no braço do estudo com maior exposição ao bepirovirsen. A supressão do AgHBs teve maior probabilidade de ocorrência nas pessoas com níveis de base de AgHBs mais baixos e é necessária mais pesquisa para investigar se a proporção de pessoas que podem alcançar a supressão do AgHBs pode ser melhorada por diferentes combinações de fármacos ou durações de tratamento, ou se são necessárias estratégias imunoterapêuticas em conjunto com fármacos antivirais para alcançar o objetivo de uma cura funcional.

Tratamento de curta duração previne a hepatite C após transplante de órgãos

O Dr. Bashar Aqel do Instituto de Medicina de Mayo em declarações na conferência. Foto © Steve Forrest & Andrew McConnell / EASL.

Um ciclo de tratamento antiviral de ação direta com a duração de sete dias, que teve início horas antes de um transplante de órgão, preveniu a infeção pela hepatite C em todas as pessoas que receberam um transplante de um dador com hepatite C, conforme relataram na conferência investigadores da Mayo Clinic.

Os resultados têm o potencial de aumentar o número de pessoas que podem receber transplantes de órgãos, bem como de reduzir os tempos de espera, afirmaram os investigadores.

Os recetores de um órgão de um doador com hepatite C podem receber tratamento antiviral de ação direta após o transplante para curar a infeção inevitável por hepatite C. Este tratamento é altamente eficaz, mas seria preferível que os recetores de transplante não fossem infetados de todo.

Para testar se os medicamentos antivirais de ação direta podiam prevenir a infeção por hepatite C de um órgão doado, e se um regime mais curto  iniciado imediatamente antes do transplante era eficaz, o Dr. Aqel e colegas recrutaram 38 pessoas que necessitavam de transplantes de órgãos sólidos e tinham concordado em receber órgãos positivos para o VHC.

Todos os participantes completaram com sucesso o regime de tratamento preventivo e nenhum ficou infetado com hepatite C, apesar da deteção precoce do ARN do VHC entre os dias 1 e 14 na maioria dos participantes.

O regime encurtado poupou 36 000 dólares em comparação com 12 semanas de tratamento pós-transplante, disse o Dr. Aqel, e os resultados do estudo confirmaram que o regime encurtado é seguro e altamente eficaz.

Re-tratamento da hepatite C é altamente eficaz após falha da primeira combinação

Duas combinações revelaram-se altamente eficazes na cura da hepatite C em pessoas que tinham experimentado falha numa primeira combinação contendo um inibidor NS5A, como demonstram estudos na Europa e na Nova Zelândia.

As conclusões, apresentadas na conferência, dão garantias de que a grande maioria das pessoas com hepatite C cuja primeira combinação de tratamento falhou, pode ser curada com um tratamento de seguimento, sem necessidade de adicionar ribavirina, um fármaco potencialmente tóxico.

A combinação de três fármacos voxilaprevir/velpatasvir/sofosbuvir (Vosevi) foi testada em 427 pessoas que tinham experimentado a falha de pelo menos um regime anterior. Noventa e quatro por cento foram curadas da hepatite C após um ciclo  de tratamento de 12 semanas. Quatro por cento também receberam ribavirina.

A falha de tratamento ocorreu mais frequentemente em pessoas com infeção do tipo genótipo 3 e naquelas com carcinoma hepatocelular, mas a eficácia do tratamento não foi afetada pelo nível basal de ARN da hepatite C, pelo regime anterior de antivirais de ação direta (AAD) ou pela presença de cirrose. A presença de mutações resistentes não comprometeu a eficácia do tratamento.

Outro estudo, realizado na Nova Zelândia, analisou as respostas ao re-tratamento com glecaprevir e pibrentasvir (Maviret) e sofosbuvir genérico durante 16 semanas em pessoas cujo primeiro regime tinha falhado e que tinham mutações de resistência NS5A.

O estudo recrutou 66 participantes. Cinquenta e um tinham concluído o tratamento até à data da conferência e tinham disponíveis os resultados do ARN do VHC pós-tratamento. Cinquenta dos 51 tinham sido curados (98%).

O Dr. Edward Gane disse que o maior desafio à cura de pessoas que tinham experimentado uma falha  na primeira linha eram os fatores sociais e a falta de adesão, e não a resistência aos medicamentos. "A razão mais comum para o fracasso do tratamento com AAD agora é não-virológica", concluiu. Em vez da preocupação com a resistência aos medicamentos ou com a adição ou não de ribavirina, a adesão e a perda para seguimento são os problemas que precisam de ser resolvidos.

Acrescentou que os resultados do estudo enfatizaram a necessidade de apoio generalizado às pessoas submetidas ao tratamento da hepatite C, incluindo intervenções psicossociais, distribuição diária para as pessoas que estão a usar drogas ou a receber terapia de substituição opiácea e equipas de proximidade que podem distribuir medicação e acompanhar as pessoas na comunidade.