Notícias do Encontro para o Estudo do Fígado

O boletim do infohep deste mês destaca as principais notícias do Encontro para o Estudo do Fígado, a reunião anual da Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado (AASLD), que decorreu online de 12 a 15 de novembro.

Pessoas com cirrose hepática têm respostas mais fracas às vacinas para o SARS-CoV-2 da Pfizer e da Moderna

Marco Verch. Licença da Creative Commons.

Pessoas com cirrose hepática tiveram respostas atrasadas e subótimas às vacinas da Pfizer e da Moderna para o SARS-CoV-2, em comparação com adultos saudáveis, de acordo com um estudo italiano. Pessoas com cirrose descompensada tiveram respostas significativamente mais fracas, em comparação com as que tinham cirrose compensada, afirmou o professor Massimo Iavorone, do Ca ’Grande Ospedale Policlinico de Milão, na conferência.

Pessoas com cirrose apresentam respostas subótimas às vacinas da gripe e pneumocócicas. A informação sobre a resposta às vacinas contra o SARS-CoV-2 em pessoas com cirrose é limitada, pois os ensaios clínicos das vacinas incluíram um número reduzido de pessoas com doença hepática crónica.

Para analisar estas questões, investigadores italianos desenvolveram um estudo observacional prospetivo para medir as respostas à vacina em todos os pacientes com cirrose em tratamento no Ca ’Grande Ospedale Policlinico, que receberam as vacinas de mRNA da Pfizer ou da Moderna contra o SARS-CoV-2.

O estudo mediu os níveis de anticorpos para a proteína spike do SARS-CoV-2, 21 dias após a primeira vacinação, 21 dias após a segunda dose e 133 dias após a segunda dose. O estudo também mediu os níveis de células T específicas do antigénio da spike do SARS-CoV-2 nos mesmos intervalos.

O estudo recrutou 182 pessoas com cirrose e 38 controlos saudáveis. Setenta e quatro por cento tinham cirrose compensada.

Quinze por cento das pessoas com cirrose e 31% do grupo de controlo já tinham historial de COVID-19, por isso, os resultados foram analisados ​​de acordo com o estatuto anterior para a COVID-19.

O estudo demonstrou que as pessoas com cirrose e sem COVID-19 anterior tinham níveis de anticorpos significativamente mais baixos do que o grupo de controlo após cada dose da vacina. As que tinham tido COVID-19 apresentaram níveis de anticorpos semelhantes aos do grupo de controlo após cada dose da vacina.

Numa análise multivariável, os títulos de anticorpos mais baixos após a segunda dose foram associados a carcinoma hepatocelular ativo ou a imunossupressão (tratamento com esteroides recente, linfoma ou VIH), enquanto que os títulos de anticorpos mais altos foram associados à toma da vacina da Moderna ou a um título de anticorpos alto após a primeira dose de vacina.

O acompanhamento pós-vacinação em 155 pacientes com cirrose, 133 dias após a segunda dose, demonstrou que quatro pessoas sem historial prévio de COVID-19 contraíram a doença. Todas tiveram infeções assintomáticas.

A proteção pela vacina da COVID-19 é “mais baixa e mais lenta” em pessoas com cirrose

Olena Yakobchuk/Shutterstock.com

As pessoas com cirrose hepática podem levar mais tempo a obter proteção contra o SARS-CoV-2 e COVID-19 grave após a vacinação, de acordo com estudos abrangentes nos Estados Unidos e no Chile, apresentados na conferência.

A informação sobre o impacto da vacinação contra o SARS-CoV-2 na prevenção da COVID-19 grave em pessoas com cirrose é limitada, visto que as pessoas com doença hepática crónica foram excluídas dos estudos de registo de vacinas.

Dois estudos alargados demonstraram o impacto clínico da vacinação em pessoas com cirrose.

Binu V. John, da Escola de Medicina Miller da Universidade de Miami, apresentou os resultados de uma análise da coorte VOCAL - “Veterans Outcomes and Costs Associated with Liver disease” (Consequências e Custos Associados a Doença hepática dos Veteranos), que rastreia aproximadamente 120.000 veteranos militares dos EUA com cirrose e que recebem cuidados de saúde através do sistema médico Veterans Affairs (VA).

Os resultados do estudo também foram publicados na edição de outubro do JAMA Internal Medicine.

O estudo investigou a proteção da vacina contra a infeção e doença grave através do seguimento de quatro indicadores: um teste de PCR ao SARS-CoV-2 positivo, 28 dias após a primeira dose da vacina; um resultado de PCR positivo, 7 dias após a segunda dose da vacina; e hospitalização ou morte devido à COVID-19, 28 dias após a primeira dose e 7 dias após a segunda dose.

O estudo equiparou as pessoas que tomaram as vacinas da Pfizer e da Moderna a controlos por data de vacinação, idade, sexo, raça, etnia, comorbidades, estado de doença hepática alcoólica e pontuação de Child-Pugh.

A análise publicada incluiu pessoas com cirrose que receberam a vacina da Pfizer ou da Moderna até 17 de março de 2021, sem historial anterior de COVID-19 nem transplante de fígado. Um total de 20.037 pessoas foram elegíveis para inclusão na análise e comparadas com um controlo não vacinado e com cirrose.

Não houve uma diferença significativa na infeção por SARS-CoV-2 até 28 dias após a primeira dose entre os participantes vacinados e não vacinados, mas após os primeiros 28 dias, a toma da primeira dose de qualquer uma das vacinas foi associada a uma redução de 64,8% na infeção. Sete dias após a segunda dose da vacina, a toma de qualquer uma das vacinas foi associada a uma redução de 78,6% no risco de infeção.

Não houve diferença na hospitalização entre pessoas vacinadas e não vacinadas nos primeiros 28 dias após a vacinação, mas a toma da primeira dose da vacina foi associada a uma redução de 100% no risco de hospitalização ou morte devido à COVID-19, mais de 28 dias após a vacinação, assim como de uma segunda dose.

Quando a análise foi restringida às 3.142 pessoas com cirrose descompensada, a toma da primeira dose da vacina foi associada a uma redução de 50,3% no risco de infeção, mais de 28 dias após a vacinação, e uma redução de 100% no risco de hospitalização ou morte devido à COVID-19. Os investigadores afirmam que este resultado precisa de ser confirmado noutras populações devido às baixas taxas de eventos para infeções e hospitalização (uma infeção no grupo vacinado e duas no grupo de controlo após 28 dias, e uma hospitalização no grupo de controlo).

Em pessoas com cirrose compensada, uma primeira dose reduziu o risco de infeção em 66,8% após 28 dias.

Os investigadores do estudo apontam que a falta de proteção contra a infeção durante os 28 dias após a primeira dose contrasta com a maior eficácia observada em ensaios clínicos das vacinas da Pfizer e da Moderna. Eles sugerem que as pessoas com cirrose podem ter uma imunidade humoral deficiente ou retardada, enfatizando a importância de manter medidas preventivas rígidas contra a infeção até que o esquema de vacinação completo tenha sido concluído.

O tratamento para as hepatites B e C caiu em 2020 devido à COVID-19, segundo um estudo global

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O rastreio e o tratamento das hepatites virais diminuíram significativamente durante 2020, como consequência da pandemia da COVID-19, de acordo com um estudo em 31 centros de estudo do fígado em cinco continentes. O declínio do rastreio e da iniciação do tratamento atrasa o progresso do caminho para a erradicação da hepatite C, declarou a professora Maria Buti, do Hospital Universitário Vall d'Hebron, Barcelona, ao apresnetar os resultados do estudo na conferência.

A pandemia da COVID-19 levou a grandes ajustes nos serviços médicos, incluindo consultas online, cancelamento de cirurgias e redução ao mínimo do atendimento médico presencial em muitas situações. Mas a pandemia teve efeitos variados sobre os serviços. Na área do VIH, por exemplo, os serviços de tratamento na Europa foram menos afetados do que o rastreio.

Para avaliar o impacto da pandemia nos cuidados da hepatite viral, especialistas europeus do estudo do fígado desenvolveram um estudo na Internet, enviado aos membros da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), a especialistas internacionais em hepatite e a unidades de estudo do fígado na Europa.

Trinta e sete centros hepáticos responderam (20 na Europa e 17 noutras regiões), 31 dos quais forneceram dados completos.

O estudo constatou que as avaliações em contexto ambulatório, os testes de confirmação de infeção crónica e a iniciação de novos tratamentos para as hepatites B e C caíram, trazendo novos desafios para alcançar as metas de erradicação das hepatites virais até 2030.

Será necessária mais investigação para avaliar a evolução a longo prazo do encaminhamento, rastreio e tratamento da hepatite viral, apontou a professora Buti.

Erradicação da hepatite C: menos de 25% das pessoas com hepatite C diagnosticadas a nível mundial

Jarun Ontakrai/Shutterstock.com

A prevalência global da hepatite C diminuiu desde 2015, em parte devido ao aumento do tratamento antiviral de ação direta, mas menos de uma em cada quatro pessoas com hepatite C foi diagnosticada, evitando que milhões sejam curados da infeção, segundo declarações de Sarah Blach, líder do Grupo VHC da Fundação Center for Disease Analysis, na conferência.

Os resultados provêm da modelagem matemática da epidemia de hepatite C em 110 países, com base em dados publicados e não publicados sobre a prevalência da hepatite C, impacto da doença e continuum de cuidados de saúde, realizada pela Fundação Center for Disease Analysis.

O estudo foi concebido para avaliar o progresso global nas metas para a erradicação da hepatite C desde 2015.

A estimativa global do número de pessoas com infeção virémica, ou crónica, pela hepatite C demostra que a prevalência diminuiu desde 2015, de 63,7 para 56,9 milhões. Os investigadores baixaram a estimativa anterior da prevalência de 2015 como resultado de estimativas atualizadas da prevalência para o Egito, Brasil e Nigéria, bem como de novos dados para a República Democrática do Congo, mostrando todos prevalência mais baixa do que as estimativas anteriores.

Desde 2015, aproximadamente 7,5 milhões de pessoas contraíram hepatite C, 5,5 milhões de pessoas com hepatite C morreram e 8,8 milhões foram curadas após tratamento.

A prevalência da hepatite C é mais alta na Europa de Leste e Ásia Central e no Paquistão, onde pelo menos 1,3% da população vive com hepatite C. No entanto, mais da metade das pessoas com hepatite C encontram-se em cinco países: China, Índia, Paquistão, Federação Russa e Estados Unidos.

A iniciação do tratamento da hepatite C atingiu o pico em 2019, quando aproximadamente 2,9 milhões de pessoas iniciaram o tratamento, 1,9 milhão delas no Egito. Mais de um terço de todos os tratamentos entre 2015 e 2020 ocorreram no Egito.

A Fundação Center for Disease Analysis prevê que aproximadamente 1 milhão de pessoas iniciará o tratamento antiviral de ação direta todos os anos ao longo do resto da década, o que não é suficiente para alcançar a meta global da erradicação da hepatite C de tratar 80% das pessoas elegíveis até 2030. A Drª. Blach afirma que, para alcançar a meta, é necessário que 9 milhões de pessoas sejam tratadas todos os anos até 2030.

Pessoas com hepatite C permanecerão sem tratamento se não forem diagnosticadas. Os dados dos países indicam que menos de uma em cada quatro pessoas com hepatite C crónica foi diagnosticada. Em países de elevado rendimento, cerca de 6 milhões de pessoas viviam com hepatite C em 2020. A Fundação Center for Disease Analysis estima que 47% já foram diagnosticadas.

“O baixo diagnóstico e a falta de programas de rastreio em grande escala continuam a ser uma barreira para a erradicação”, concluiu a Drª. Blach.

O tratamento da hepatite C nos EUA diminuiu entre 2015 e 2020

Tendo partido de um nível de mais de 164.000 em 2015, o número de pessoas tratadas com terapia antiviral de ação direta (AAD) para a hepatite C diminuiu constantemente, atingindo um ponto baixo durante a pandemia de COVID-19, de acordo com um estudo dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) apresentado na conferência.

“Alcançar mais pessoas através do rastreio e tratamento da hepatite C é fundamental para salvar vidas e prevenir a transmissão desta infeção mortal, mas curável”, declarou o CDC num comunicado à imprensa.

O CDC estima que cerca de 2,4 milhões de pessoas nos Estados Unidos viviam com o vírus da hepatite C entre 2013 e 2016.

Eyasu Tehale, do CDC, e colegas usaram dados da emissão de prescrições para estimar o número e as características das pessoas que recebem tratamento desde a aprovação dos primeiros AAD de nova geração, nos Estados Unidos, no final de 2013.

De acordo com o banco de dados da emissão de prescrições da IQVIA, um total de 843.329 pessoas iniciaram o tratamento com AAD de 2014 a 2020. Esta é uma contagem subestimada, uma vez que os dados não incluem todas as farmácias de retalho, de venda por correspondência e de cuidados de saúde de longo prazo, nem o sistema de saúde Veterans Affairs. Cerca de 60% eram homens.

Mais de 109.000 pessoas foram tratadas em 2014, à medida que aumentava a disponibilidade de AAD. Esse número subiu para mais de 164.000 em 2015, refletindo uma acumulação de pessoas que aguardavam um tratamento mais simples e eficaz. Entre 114.000 e 134.000 pessoas foram tratadas todos os anos, entre 2016 e 2019. Mas o número caiu para cerca de 84.000 em 2020, o primeiro ano da pandemia de COVID-19.

Apesar de cerca de 120.000 pessoas, em média, terem sido tratadas todos os anos, o número está muito abaixo das 260.000 que as Academias Nacionais de Ciências e Medicina estimam que teriam de ser tratadas anualmente, a fim de eliminar a hepatite C como uma ameaça para a saúde pública até 2030.