Notícias do Encontro para o Estudo do Fígado da AASLD

O boletim do infohep deste mês destaca as principais notícias do Encontro para o Estudo do Fígado, a reunião anual da Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado (AASLD), que ocorreu online de 13 a 16 de novembro.

Que pessoas com doença hepática crónica apresentam maiores riscos associados à COVID-19?

Imagem: Gerd Altman/Pixabay

Cirrose descompensada, doença hepática alcoólica e carcinoma hepatocelular aumentam o risco de morte e doença grave da COVID-19 entre pessoas com doença hepática crónica, mas outras doenças hepáticas não, como demonstra um estudo multicêntrico dos EUA apresentado no Encontro para o Estudo do Fígado online da AASLD .

As descobertas vêm de um dos maiores estudos sobre os resultados da COVID-19 em pessoas com doença hepática relatados até agora na pandemia.

Estudos anteriores demonstraram que a cirrose aumenta o risco de lesão hepática após contrair COVID-19 e morte por COVID-19.

Analisando os resultados da COVID-19 em 867 pessoas com doença hepática crónica diagnosticadas com a infeção nos Estados Unidos, Nia Adeniji da Universidade de Stanford concluiu que 60% foram internados no hospital e 114 morreram.

As formas mais comuns de doença hepática na população do estudo foram a doença não alcoólica do fígado gordo, afetando aproximadamente 60% dos casos; hepatite C, afetando cerca de 22%; doença hepática alcoólica, presente em 14%; e hepatite B (7%).

Cerca de 26% apresentava cirrose. Em quase 60%, a cirrose era compensada.

A cirrose descompensada e a doença hepática alcoólica aumentaram o risco de morte, hospitalização, internamento na unidade de cuidados intensivos (UCI) e ventilação mecânica. O carcinoma hepatocelular aumentou o risco de morte, mas não aumentou os riscos de hospitalização, internamento na UCI ou ventilação.

Os médicos devem encorajar o uso da telemedicina em pacientes com doença hepática crónica, de modo a reduzir o risco de infeção, e os pacientes com doença hepática crónica devem ser priorizados para a vacinação, disse Nia Adeniji.

O fígado gordo aumenta significativamente a vulnerabilidade à COVID-19 em pessoas obesas

A doença do fígado gordo, combinada com a obesidade, coloca as pessoas num risco muito maior de COVID-19 grave, como demonstra uma análise em britânicos com teste positivo para o SARS-CoV-2. A obesidade, por si só, não aumentou o risco de internamento hospitalar com COVID-19, mas a obesidade com alto teor de gordura hepática duplicou o risco de doença sintomática e triplicou o risco de internamento hospitalar com COVID-19 grave, conforme relatou Adriana Roca da Perspectum na conferência.

A obesidade e a doença do fígado gordo estão intimamente ligadas. A obesidade é um fator de risco estabelecido para COVID-19 grave, mas o papel da doença do fígado gordo como fator de risco independente para a COVID-19 não é claro. Os estudos produziram resultados conflitantes.

Por exemplo, um estudo na China revelou que a doença do fígado gordo aumentou muito o risco de desenvolver COVID-19 grave em pessoas sintomáticas internadas.

Mas estudos que analisaram marcadores genéticos da doença do fígado gordo em grandes amostras populacionais não encontraram um aumento do risco de COVID-19 grave.

São necessários estudos mais abrangentes que examinem a relação entre o teor de gordura hepática, o peso corporal e o risco de COVID-19 para se obterem mais informações.

A Perspectum utilizou dados sobre o teor de gordura no fígado de participantes do UK Biobank para examinar a relação entre obesidade, gordura hepática e risco de COVID-19.

Das 41791 pessoas que realizaram exames ao fígado, 931 tinham sido testadas para o SARS-CoV-2 e 106 obtiveram resultado positivo. Destas, 48 tinham sido hospitalizadas com COVID-19. As pessoas que deram entrada no hospital devido a doença grave tendiam a ser maioritariamente do sexo masculino, tinham um índice de massa corporal mais elevado e maiores probabilidades de apresentar doença do fígado gordo (definida como teor de gordura hepática > 5%).

Quando os investigadores fizeram a subanálise dos participantes do estudo com base num teor de gordura do fígado acima ou abaixo de 10%, descobriram que valores na ordem dos 10% ou superiores eram um dos mais fortes indicadores de teste positivo sintomático para a COVID-19 e de hospitalização com COVID-19 grave. O aumento do risco de COVID-19 sintomática ou hospitalização devido ao índice de massa corporal era muito menor.

Com base na análise de doença hepática aos participantes do UK Biobank, a Perspectum estima que cerca de 7,3 milhões de pessoas (11%) no Reino Unido apresentem um teor de gordura no fígado de 10% ou mais e um índice de massa corporal de 30 ou mais.

“Isto tem grandes implicações tanto ao nível da saúde pública quanto ao nível socioeconómico”, disse Adriana Roca, acrescentando que o tratamento da doença do fígado gordo através de intervenções no estilo de vida ou de inovações terapêuticas futuras deve ser considerado.

A monitorização mínima do tratamento da hepatite C é segura e eficaz

Dr. Sunil Solomon, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, apresenta resultados do estudo MINMON. © The Liver Meeting Digital Experience™2020

O tratamento da hepatite C sem consultas de monitorização durante o seu curso é seguro e leva a uma taxa elevada de cura, de acordo com um estudo internacional apresentado na conferência.

O estudo MINMON foi desenhado para investigar de que forma o tratamento pode ser administrado em contextos de baixos rendimentos à medida que os países tentam aumentar o acesso ao tratamento antiviral de ação direta para a hepatite C.

Um modelo "simples e seguro" de tratamento da hepatite C que reduz ao mínimo a monitorização e as visitas clínicas tem o potencial de expandir o número de pessoas que podem ser tratadas.

Os participantes do estudo receberam um regime de dose fixa de sofosbuvir/velpatasvir uma vez ao dia durante 12 semanas e compareceram na clínica duas vezes: uma para recolher toda a medicação do estudo e doar sangue para exames laboratoriais e outra para monitorizar a carga viral, 12 semanas após completar o tratamento. Os participantes foram contactados por telefone na 4ª semana para verificar a adesão e possíveis efeitos secundários e uma segunda vez na 22ª semana para lembrá-los da visita de monitorização pós-tratamento.

Noventa e cinco por cento dos participantes do estudo alcançaram uma resposta virológica sustentada, ou a cura. Não houve diferença significativa na resposta por subgrupos, exceto numa resposta inferior em pessoas com idades entre os 20 e os 29 anos (8% dos participantes), nas quais a taxa de cura caiu para 85%.

Poucos países cumprirão a meta de 2020 para reduzir as mortes por hepatite viral

Abigail Adams da Task Force for Global Health, Atlanta (em baixo, à direita) e o painel da Hepatitis C Epidemiology do Encontro para o Estudo do Fígado © The Liver Meeting Digital Experience™2020

Cerca de 1,1 milhão de mortes foram causadas por hepatite viral em todo o mundo em 2019 e as mortes devidas à hepatite C continuam a aumentar, apesar da disponibilidade do tratamento antiviral de ação direta, segundo análises do estudo Global Burden of Disease, apresentado este mês no Encontro para o Estudo do Fígado online.

Os estudos revelaram que poucos países estão a caminho de cumprir as metas intercalares de redução de 10% das mortes por hepatite viral entre 2015 e 2020, destinadas a estimular o progresso em direção à meta da erradicação da hepatite até 2030.

Apenas quatro países - Lituânia, Moldávia, Rússia e Ucrânia - estão em vias de cumprir a meta para a hepatite C.

Vinte e cinco países estão a caminho de cumprir a meta intercalar de 2020 para a hepatite B, principalmente na África Central e Ocidental. Bangladesh, Índia e Rússia também cumprirão a meta.

As mortes devido à hepatite C estão fortemente centralizadas; 20 países respondem por 76% das mortes globais por hepatite C e, dentro deste grupo de 20, mais de metade de todas as mortes globais por hepatite C ocorreram em cinco países - China, Índia, Estados Unidos, Japão e Egito.

As mortes por hepatite B também estão fortemente centralizadas.Vinte países foram responsáveis por 81% das mortes em 2019 e dois países - China e Índia - respondem por mais de metade de todas as mortes devido à hepatite B em todo o mundo.

Poucos países com um nível elevado de mortes relacionadas com a hepatite B estão a caminho de cumprir a meta intercalar de 2020 e a maioria obteve aumentos de mortes entre 5 e 11% desde 2015. Apenas dois desses países - República Democrática do Congo e Rússia - estão no caminho certo para cumprir as metas de 2020.

O investimento no tratamento da hepatite C pode reduzir custos?

Madeline Adee, do Instituto de Avaliação de Tecnologia do Hospital Geral de Massachusetts. © The Liver Meeting Digital Experience™2020

O tratamento antiviral de ação direta para a hepatite C pode reduzir custos para alguns países dentro de cinco a dez anos, especialmente se estes conseguirem negociar preços mais baixos dos medicamentos, de acordo com um estudo apresentado na conferência.

Madeline Adee, do Instituto de Avaliação de Tecnologia do Hospital Geral de Massachusetts, apresentou os resultados de um estudo comparativo de 158 países sobre o impacto na redução de custos do tratamento antiviral de ação direta para a hepatite C.

Com base nos dados fornecidos aos investigadores, apenas onze países alcançaram preços de antivirais de ação direta que levariam ao tratamento com redução de custos em cinco anos, incluindo o Chile, a Bielo-Rússia, o Cazaquistão, a Ucrânia, a Índia e o Paquistão. Poucos países conseguiram preços que permitissem que o tratamento representasse uma redução de custos em dez anos.

Comparando os países, o estudo revelou que enquanto o tratamento em países de elevados rendimentos (Europa Ocidental, América do Norte, Australásia, Coreia do Sul e Japão) representaria uma redução de custos em cinco anos, em que o custo de um tratamento situar-se-ia entre $2001 e $9500, o tratamento nos países de rendimentos médio-altos, incluindo Argentina, Chile, México, Turquia, Rússia e Malásia, precisaria de custar entre $1001 e $2000 para que as despesas reduzissem em cinco anos.

Para a China, o Irão e a Tailândia - países com alta prevalência de hepatite C - o tratamento precisaria de custar entre $501 e $1000 para ser considerado económico. Vários países grandes de médios rendimentos com níveis elevados de hepatite C - Brasil, Egito, Índia, Indonésia e Ucrânia - precisariam de pagar entre $150 e $500 por tratamento para que houvesse redução de custos.

Tenofovir alafenamida impede a transmissão do vírus da hepatite B de mãe para filho

Imagem: Helen Sushitskaya/Shutterstock.com

O tenofovir alafenamida (TAF; Vemlidy) é altamente eficaz na prevenção da transmissão do vírus da hepatite B (VHB) de mães com carga viral alta para os seus bebés, de acordo com dois estudos apresentados na conferência.

A transmissão de mãe para filho é a via mais comum de infeção por VHB em todo o mundo. O risco de transmissão varia de 70 a 90% para mães com carga viral alta ou positivas para o antigénio de replicação viral da hepatite B (AgHBe), de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

A OMS atualizou recentemente as suas recomendações para a prevenção da transmissão perinatal do VHB e agora aconselha, com algumas condições, que mulheres grávidas com carga viral alta (200.000 UI/ml ou mais) recebam profilaxia com tenofovir a partir da 28ª semana de gestação, pelo menos, até ao parto.

O TAF é uma formulação mais recente de tenofovir que causa menor toxicidade nos rins e ossos do que o TDF (tenofovir disoproxil fumarato).

Em ambos os estudos, o TAF reduziu os níveis de ADN da hepatite B, não foi observado nenhum caso de transmissão da hepatite B e não foi relatada nenhuma ocorrência adversa grave em mães ou bebés.

Embora ambos os estudos tenham demonstrado que o TAF é seguro e eficaz para prevenir a transmissão vertical, o custo pode limitar o seu uso. O TAF, da Gilead Sciences, ainda está sob patente, enquanto versões genéricas do TDF estão disponíveis em muitos países por cerca de £2 ($3).

Alguns pacientes com hepatite B podem interromper os antivirais com segurança

Muitas pessoas que tomam antivirais de nucleósidos/nucleótidos para a hepatite B crónica podem descontinuar o tratamento com segurança, embora isso, geralmente, não leve à cura, segundo relatos dos investigadores na conferência.

As diretrizes para o tratamento divergem sobre o momento apropriado para o interromper. As recomendações, tanto da AASLD como da EASL, declaram que os pacientes positivos para o AgHBe podem considerar a interrupção se apresentarem seroconversão do AgHBe e ADN do vírus da hepatite B (VHB) indetetável por, pelo menos, 6 a 12 meses, mas a recidiva é comum. Para pacientes negativos para o AgHBe, a AASLD recomenda interromper apenas após a perda de AgHBs, enquanto as diretrizes da EASL dizem que o tratamento pode ser descontinuado após três anos nos que apresentam supressão viral, se uma monitorização rigorosa puder ser garantida.

Dois estudos apresentados no Encontro para o Estudo do Fígado analisaram os resultados em pessoas que interromperam o tratamento antiviral.

A Professora Norah Terrault, da Universidade do Sul da Califórnia, anunciou os resultados de um estudo que comparou o tratamento com tenofovir com o tratamento com tenofovir e interferão alfa peguilado. Após quatro anos de tratamento antiviral, os participantes eram elegíveis para interromper o tratamento se apresentassem baixos níveis de ADN do VHB, ausência de cirrose e fossem negativos para o AgHBe, sendo que retomariam o tratamento se apresentassem libertação prolongada das enzimas hepáticas, aumento da carga viral do VHB ou descompensação da cirrose.

105 pessoas foram elegíveis para descontinuar o tratamento após quatro anos e, após 48 semanas de acompanhamento sem tratamento, 30% dos participantes no grupo da monoterapia e 39% no grupo da terapia combinada, que interromperam o tratamento, foram considerados portadores de hepatite B crónica inativa.

Um segundo estudo com 1337 pessoas com hepatite B crónica, tratadas com tenofovir ou entecavir por uma mediana de seis anos, mostrou que 47 pessoas pararam o tratamento.

Seis pessoas retomaram os antivirais devido a novo aumento da carga viral (acima de 2000 UI/ml) ou crises de ALT (mais de duas vezes o limite superior do normal). Apenas uma pessoa neste grupo apresentou perda de AgHBs.

Os dois estudos sugerem que a suspensão do tratamento antiviral após quatro anos de tratamento pode ser alcançada com segurança na maioria das pessoas que preenchem os critérios para a interrupção, como demonstram as conclusões dos investigadores.

A vacina terapêutica NASVAC pode levar à cura funcional da hepatite B

A NASVAC, uma vacina terapêutica experimental que tem como alvo dois antigénios diferentes do vírus da hepatite B (VHB), levou a uma redução dos níveis do antigénio de superfície da hepatite B e vários participantes em estudos alcançaram uma cura funcional após 18 meses de acompanhamento, de acordo com um relatório apresentado na conferência.

Ao contrário das vacinas amplamente utilizadas para a prevenção da hepatite B, a NASVAC visa tratar pessoas que já têm infeção crónica por VHB. A vacina administrada por via nasal contém tanto o antigénio de superfície da hepatite B (AgHBs) como o antigénio do core (AgHBc). A combinação ativa a produção de anticorpos anti-HBs e promove a atividade das células T contra o vírus.

O estudo relatou um acompanhamento de 18 meses em 55 pessoas que receberam dez doses da vacina. Os participantes experimentaram reduções modestas no AgHBs e seis pessoas apresentaram perda de AgHBs em 18 meses, o que representa uma cura funcional para a infeção por hepatite B.

"A administração nasal da NASVAC pode ser uma terapia imunológica eficaz e segura para alcançar a cura funcional" em pacientes com hepatite B crónica, concluíram os investigadores.